
Quanto é que Itália depende do gás russo? E como é que Itália irá substituir o gás russo se parar de o importar? E quais são as consequências para as empresas italianas, principalmente as construtoras, assim como, para o crescimento do país? Quais são as consequências para os bolsos dos italianos? Maurizio Mazziero, fundador da Mazziero Research e especialista em matérias-primas e macroeconomia, discute a situação com o idealista/news.
"Na ausência da guerra e de um possível embargo, a indústria italiana já sofria com a inflação", observa Mazziero em primeiro lugar. "No entanto, hoje os principais elementos ligados ao preço da energia, que é muito superior ao do ano passado, encontram-se em 2 áreas principais. Por um lado, o petróleo: a situação do petróleo italiano é menos alarmante, pois apenas cerca de 15 por por cento das nossas necessidades são importadas da Rússia, uma percentagem que pode ser mais facilmente substituída por ajustes marginais dos preços no sentido ascendente. No espaço de um ano passamos de 20 para 110 euros por megawatt hora, com picos de 320 euros".
Como é que Itália pode substituir o gás russo?
"É preciso considerar que Itália tem um consumo anual de 76 bilhões de metros cúbicos de gás. Destes, cerca de 30 bilhões de metros cúbicos vêm da Rússia e devem ser substituídos por outros suprimentos. Da Argélia, atualmente obtemos cerca de 23 bilhões de metros cúbicos e os fornecimentos aumentarão em mais nove bilhões de metros cúbicos (até 2024). Os 20 bilhões de metros cúbicos restantes virão parcialmente do Azerbaijão via Puglia, mas num máximo de 1,5 bilhão de metros cúbicos. Dos três regaseificadores italianos poderíamos adicionar 3 bilhões de metros cúbicos. Se adicionássemos novas plataformas de regaseificação no mar, poderíamos ter cerca de 10 bilhões de metros cúbicos de gás. Isso deixaria cerca de 5 bilhões de metros cúbicos de abastecimento a descoberto, supondo, é claro, que o cálculo acima seja feito à risca."
Como é que as empresas italianas reagirão ao aumento dos preços do gás?
"A questão é que as empresas são intensivas em energia, e a disponibilidade reduzida de gás inevitavelmente levará a custos mais altos. Se pensarmos na indústria da construção, as indústrias de vidro, cimento e cerâmica usam muito gás para a produção, então certamente que sofrerão um forte impacto. A diferença estará na forma como as empresas italianas lidam com o aumento de preços: reduzindo as suas margens de lucro, transferindo os custos mais altos ao cliente final ou, em último caso, reduzindo a produção. Hoje já temos exemplos de produção reduzida, por exemplo na produção de fertilizantes, algo que afeta a produção de alimentos. O mesmo argumento pode ser estendido a todos os setores."
Que impacto podemos esperar na indústria da construção devido ao aumento dos custos de energia?
"Os custos crescentes da energia têm dois efeitos no preço das mercadorias: primeiro, nos custos de produção mais elevados; em segundo lugar, no custo do combustível necessário para o transporte e distribuição. Porque não esqueçamos que a maioria das mercadorias viaja por estrada. Os custos de construção civil, podem aumentar tanto por causa dos custos de produção mais elevados em si, como por causa dos custos de distribuição mais elevados. Mas não vejo qualquer possibilidade real de bloqueio no sector."
O setor da construção ainda tem perspetivas de crescimento?
"Sem dúvida, o setor da construção em Itália vai desacelerar, dada a situação atual. No entanto, é um setor que está num bom caminho graças aos incentivos fiscais, então é provável que continue a responder à procura por casas, pelo menos até que os materiais se tornem escassos. Neste ponto pode haver uma desaceleração na produção, mas dificilmente uma paragem. O crescimento em geral é uma questão diferente”.
Quais são as perspetivas para o PIB de Itália em 2022?
"A Mazziero Research teve que rever as suas estimativas de crescimento para o primeiro trimestre, de +0,3% para -0,2% (um pouco mais otimista do que o governo, que prevê -0,5%). %, o que, com dois trimestres consecutivos em declínio, coloca Itália em recessão técnica. No terceiro trimestre provavelmente veremos uma recuperação, que no momento é estimada em +0,3%, não sendo sufieciente para compensar o decréscimo no trimestre anterior, mas esta situação está dependente da evolução do conflito na Ucrânia e dos efeitos das sanções contra a Rússia, bem como do estado das importações de gás. O intervalo de crescimento no final do ano varia de 0,6 a 3,1%. , então vemos uma margem muito grande de incerteza."
Quais serão os principais determinantes do crescimento nos próximos meses em Itália?
"A chave continua a ser a oferta de gás: os custos mais elevados têm impacto na balança comercial, pois aumentam o valor das importações (de energia) relativamente às exportações, o que deprime o crescimento económico. E é preciso dizer que a importação de gás também é necessária na estação quente, pois o stock de energia necessário para o inverno tem que ser construído. O elemento-chave, portanto, continua a ser a capacidade de armazenar e, antes disso, fornecer energia de outros mercados além da Rússia."
Qual é, finalmente, o impacto da situação atual nas famílias italianas?
“Segundo o ISTAT, o clima de confiança nos lares italianos já não é positivo, apresentando valores ainda piores do que os do início da pandemia, quando a incerteza sobre o futuro era mais elevada. Neste momento, nem todos os aumentos foram (ainda) passados para o carrinho de compras ou contas, mas são particularmente percetíveis apenas em alguns produtos, porque as empresas estão a tentar amortecer a situação, reduzindo suas margens de lucro. Contudo, se a situação continuar, um impacto mais duro ainda poderá chegar".
O que devem os residentes em Itália esperar em 2022?
"O verdadeiro problema é que, enquanto a inflação dispara, os salários permanecem os mesmos. E isso aumenta o risco de estagflação, ou seja, estagnação económica na presença de preços elevados, porque se o poder de compra cai, o consumo também. E este é o pior elemento porque coloca pressão sobre a capacidade de reação do nosso País. O apoio salarial é uma questão de longa data e estrutural, e teria sido desejado abordá-lo num período sem crise, precisamente para ter capacidade para fazer face aos desafios agora. Infelizmente, a situação explodiu e só podemos esperar que seja de curta duração."